segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Insetos interiores

Quando certa manhã Gregor Samsa acordou de sonhos intranquilos, encontrou - se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso. Tentou levantar-se atordoado mas percebeu que estava com o casco voltado para baixo. Era uma barata. Não tinha controle sobre seu próprio corpo naquela posição, suas pernas balançavam freneticamente no alto, se sentia frio e indiferente. Depois de alguns maus minutos agitados finalmente conseguiu sair daquela posição, colocou as asas pra cima e as patas para baixo.
A cama parecia interminável aos seus olhos, sentia-se como os que achavam que a terra era plana. Sabia de sua nova condição,apenas não a compreendia. Apenas... como se fosse uma questão de resposta fácil. Não lembrava da noite anterior, esquecia-se até do que estava fazendo antes de dormir e acordar transformado tão insólitamente. Conseguia pensar claramente, via tudo na sua frente, os pensamentos prostrados em estantes altas que podiam ser escaladas e facilmente abertas pela sua curiosidade. Era fácil. Podia ter tudo o que quisesse. Agora se sentia um gênio pois podia rever fatos, narrar histórias, esclarecer as dúvidas que tivesse sobre o que havia feito a vida toda.
Foram longos momentos de devaneios, um abre e fecha de gavetas interminável. Gregor estava pensando incessantemente, sua cabeça começava a doer quando realizou algo tremendamente importante. Seus medos mais fortes, suas piores vertigens, seu pesadelo estava vivo. Ele não tinha mais insetos interiores; Ele ERA um inseto exterior. Podia ver claramente por dentro, mas o que tinha a temer estava do lado de fora agora, aguardando para ataca-lo quando estivesse distraido. Seus medos não eram mais o amor, a desesperança crônica do amanhã ou talvez preocupações diárias. Ele podia muito bem tratar com segurança disso agora que tinha tudo a sua disposição a qualquer hora que quisesse.
Criara novos medos. Tinha que se preocupar com chinelos, inseticidas e pés em geral. Precisaria se dedicar mais ao ato da observação. Já estava se acostumando a não ter mais aflições. Bem quando tudo finalmente fazia sentido e já tinha muitas respostas percebeu que seus medos não tinham ido embora. Apenas haviam transfigurado-se em algo igualmente assustador. Substancialmente perigoso.
Gregor agora era frio, tornara-se neurótico e paranóico. Deixara de lado seus anseios pelo sentido da vida; Que poderia estar ali, logo na próxima gaveta. Tornara-se mecanizado, sempre executando as mesmas ações rápidas e arriscadas. Sua vida voltara a ser monótona e tediosa. Preocupava-se apenas com o exterior.
Um dia, cansado de umas boas corridas que andava fazendo dentro de alguns boeiros sujos foi parar dentro de uma casa desconhecida. Estava assustado, como sempre, era um lugar novo, grande e limpo. Por um momento se deixou levar pela calmosidade do local, caminhava lentamente apreciando os ajulejos brancos reluzentes quando de repente PLAFT!
Gregor morreu ali, daquele jeito. Estressado, paranóico, rabugento e neurótico.
Sua morte o levou a um novo começo, quando piscou os olhos assustado. Tocou-se, apalpou-se, apertou-se. Não estivera sonhando, disso tinha certeza. Não sabia a quanto tempo estava fora de si. Talvez estivesse em coma. Talvez fosse um devaneio. Talvez, sua imaginação agindo inconcientemente. Gregor acabara de acordar novamente para a vida, e sabia que dentro de si estavam de novo todos os seus insetos interiores.